sexta-feira, 14 de julho de 2017

Talk is Cheap: como os governos do G20 estão financiando o desastre climático

Oil change International 

Alex Doukas, 5 de julho de 2017


Oil Change International, Amigos da Terra - EUA, Sierra Club, WWF European Policy Office
Com Climate Action Network Europe, Environmental Defense (Canadá), JACSES (Japão), Federação da Coréia para Movimentos Ambientais (Coréia do Sul), Legambiente (Itália), Les Amis de la Terre (França), Urgewald (Alemanha), Amigos da Terra Japão, KIKO Network (Japão) e Re: Common (Itália). Suas recomendações são aprovadas por AboveGround (Canadá).

Julho de 2017

Baixe o relatório completo, em inglês.

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A melhor ciência disponível mostra uma necessidade urgente de manter a temperatura global subir abaixo de 1,5 ° C para evitar graves interrupções para pessoas e ecossistemas. Análises recentes mostram que a queima das reservas nos campos de petróleo e gás, que já operam sozinhos, mesmo que a mineração de carvão seja completamente eliminada, levaria o mundo para além de 1,5 ° C de aquecimento. As potenciais emissões de carbono de todos os combustíveis fósseis nos campos e nas minas já operacionais do mundo levariam-nos para além dos 2 ° C.

Apesar desta realidade, os mesmos governos que assinaram o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas - que concorda em manter o aquecimento global bem abaixo dos 2 ° C e para se esforçar para limitar o aquecimento a 1,5 ° C - continuam a fornecer empréstimos amorosos, garantias, E outras formas de financiamento preferencial para projetos de combustíveis fósseis que poderiam fazer com que o mundo ultrapassasse esses objetivos climáticos.

Esta análise mostra que os governos do G20 estão fornecendo cerca de 4 vezes mais finanças públicas para combustíveis fósseis do que para energia limpa.

Com os Estados Unidos indicando que pretende retirar o Acordo de Paris, outros governos devem liderar a transição da energia limpa: os governos restantes do G20 precisarão intensificar. Os governos simplesmente não podem ser líderes climáticos enquanto continuam a financiar combustíveis fósseis a taxas atuais.

Os governos devem começar a transferir trilhões de dólares em investimentos de infra-estrutura poluente para atividades com baixas emissões e resilientes ao clima - uma mudança financeira maciça de "marrom" para "verde" - para permanecer dentro dos limites climáticos. Eles deveriam começar com suas próprias finanças públicas. No entanto, esta análise mostra que as tendências recentes estão na direção oposta. As finanças públicas para combustíveis fósseis superam as finanças públicas para fontes de energia limpas - uma tendência que deverá reverter rapidamente para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.

De todas as finanças públicas para energia das instituições do G20 e dos bancos multilaterais de desenvolvimento entre 2013 e 2015:

Produção de petróleo e gás com metade e 50 por cento (US $ 62 bilhões anualmente).
Olhando para todo o financiamento de combustíveis fósseis, as instituições de finanças públicas do G20 e os bancos multilaterais de desenvolvimento forneceram mais 6 vezes mais financiamento para o petróleo e o gás do que para o carvão.
G20 finanças públicas para exploração de combustíveis fósseis - exploração de novas reservas de petróleo, gás e carvão - em média US $ 13,5 bilhões anualmente. Este financiamento é particularmente atrevido, uma vez que a maioria das reservas já descobertas deve permanecer incumprida para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
As agências de crédito à exportação do G20 forneceram níveis consideravelmente mais elevados de apoio à produção de combustíveis fósseis entre 2013 e 2015 (US $ 38,3 bilhões anualmente) em relação a todas as outras fontes de financiamento público bilaterais do G20 para combustíveis fósseis entre 2013 e 2015 (US $ 24,7 bilhões por ano). Além disso, bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, forneceram US $ 8,7 bilhões anualmente no financiamento de combustíveis fósseis ao longo desse mesmo período.
Entre as agências de crédito à exportação do G20, o apoio ao petróleo e ao gás é quase 6 vezes maior do que o apoio ao carvão, enquanto que entre os bancos multilaterais de desenvolvimento, o apoio ao petróleo e ao gás é mais de 12 vezes maior do que o apoio ao carvão.
Se os líderes do G20 são sérios em cumprir os objetivos climáticos, eles devem empreender esforços rápidos e ambiciosos para transferir as finanças públicas das atividades 'marrom' para 'verde'. Este é um passo significativo que podem levar mesmo sem a colaboração de Donald Trump.


Especialista em Gestão Ambiental

G20 destina quatro vezes mais dinheiro para combustíveis fosseis do que para renováveis

Um relatório divulgado esta semana revela que todos os anos as 20 maiores economias do planeta destinam quase quatro vezes mais recursos financeiros públicos para combustíveis fósseis do que para energia limpa.  No total, o financiamento público dos países do G20 para combustíveis fósseis atingiu uma média de US$ 71,8 bilhões ao ano. Entre 2013 e 2015 (período coberto pelo estudo) foram US$ 215,3 bilhões que favoreceram petróleo, gás e carvão. Quase dois anos depois do histórico Acordo de Paris, 50% de todas as finanças públicas do G20 para energia ainda são destinadas para produção de petróleo e gás. O relatório detalha o apoio público aos projetos de energia das instituições de finanças públicas do G20, como agências de ajuda ao desenvolvimento no exterior e agências de crédito à exportação, além de bancos de desenvolvimento multilaterais. E conclui que apenas 15% desse financiamento energético apoia projetos de energia limpa, enquanto dezenas de bilhões de dólares são canalizados todos os anos para produtores de petróleo, gás e carvão. O relatório pode ser baixado em:  Http://priceofoil.org/2017/07/05/g20-financing-climate-disaster (Envolverde)



Especialista em Gestão Ambiental

segunda-feira, 10 de julho de 2017

O impacto da 4ª revolução industrial nos avanços sociais e ambientais

por Liliane Rocha, especial para a Envolverde 


Este ano faz 20 anos que Domenico de Masi lançou o livro “Ócio Criativo”, onde profetizava que a evolução tecnológica liberaria o homem do trabalho braçal para momentos de reflexão e desenvolvimento do conhecimento. De fato a revolução tecnológica avança a passos velozes, o trabalho braçal cada vez mais é substituído por máquinas, mas será que estamos possibilitando, como um ganho desse processo, que o homem tenha mais momentos de reflexão e conhecimento? Será que este fato se reflete em cuidados conosco, com o próximo, com as comunidades e com o Planeta?
Pois bem, só é possível começar essa reflexão a partir do aprofundamento do nosso diálogo sobre a quarta revolução industrial. Um dos principais imperativos desta revolução é que ela está, não só mudando a forma como fazemos as coisas, mas também, quem somos e a forma como nos relacionamos. Todas as revoluções industriais anteriores impactaram diretamente na produção – o vapor, a eletricidade, a computação – todos eles impactaram a forma de fazer as coisas e, consequentemente, como são consumidas. Coisas aqui no sentido mais amplo: informação, produtos, conhecimento, bens de consumo.
Com a quarta revolução industrial, temos uma ruptura total em nesse processo, em um ritmo tão veloz que literalmente as pessoas não têm conseguido acompanhar. Temos a biotecnologia, a nanotecnologia, e a inteligência artificial, que alteram cinco temas fundamentais da sociedade capitalista, estruturada com base no acúmulo de coisas e capital. Destacamos aqui esses 5 temas:
  1. A educação: a forma, o que e para que aprendemos.
  2. As relações sociais: como, onde e por quanto tempo nos relacionamos com as pessoas próximas a nós.
  3. A inclusão social: Como nos organizamos, que movimentos lideramos, que transformações e impactos geramos.
  4. O emprego: como trabalhamos, qual tipo de tarefa executamos e por quanto e, em troca de que, vendemos nossa força produtiva (e nosso potencial criativo).
  5. A relação com o meio ambiente: como e quanto cuidamos do que nos cerca.
O que temos hoje é que independente do segmento de atuação de uma empresa, ou da área que uma pessoa trabalhe, ela será impactada pelo desenvolvimento das tecnologias exponenciais, ou seja, pelo processo de revolução dessa 4ª onda. Consequentemente todo o macro ambiente será impactado também. Não há rota de fuga, esse processo está instaurado e será contínuo até que um novo “big bang” inicie um outro processo de revolução.
Os benefícios das revoluções anteriores para a qualidade de vida das pessoas são inegáveis, assim como o impacto negativo para o meio ambiente e o crescimento da desigualdade. O mesmo vale para o que vivemos agora.
Essa reflexão é necessária para compreendemos que um novo tema precisa ser adicionado ao impacto de uma revolução: a Empatia, ou 6 – A relação com o outro: como me relaciono com aqueles que não fazem parte das minhas relações sociais diretas, mas, estão conectados comigo no sistema global que vivemos. Parafraseando Klaus Schwab, como olhamos para pessoas que estão do “lado perdedor” do processo de globalização.
Fazemos parte de uma comunidade global e podemos assumir que todos (isso mesmo todos!) os habitantes do Planeta Terra serão de alguma forma impactados pelas consequências da 4ª Revolução industrial, mas, quantos tomarão consciência desse impacto a tempo? Quantos serão beneficiados? Quem será beneficiado?
Em uma visão estrita que considera apenas a disponibilidade de tecnologia vivemos hoje no Planeta Terra muitas eras, regiões que não chegaram na Idade Média e Regiões que estão vivendo a plenitude da 4ª Revolução Industrial.
E quem está preocupado com isso? Quando a inteligência artificial superar a capacidade humana o que será da humanidade? Qual a essência do ser humano? Em tempo de inteligência artificial o que fica para nós é o que for essencialmente humano, até porque, novamente, parafraseando Schwab, até o conceito do ser humano como algo natural vai mudar.
 Liliane Rocha é Fundadora e presidente da Gestão Kairós consultoria de Sustentabilidade e Diversidade. Palestrante, Professora de Pós Graduação e Executiva com 13 anos de experiência em grandes empresas nacionais e multinacionais e mestranda em Políticas Públicas pela FGV.


Especialista em Gestão Ambiental

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Nível do mar na costa brasileira tende a aumentar

edição 247
Ponta da Fruta Vila Velha Espírito Santo - ES
Elton Alisson
Jornalista da Agência FAPESP
 
O nível do mar na costa brasileira tende a aumentar nas próximas décadas. No Brasil, contudo, onde mais de 60% da população vive em cidades costeiras, não há um estudo integrado da vulnerabilidade dos municípios litorâneos a este e a outros impactos decorrentes das mudanças climáticas, como o aumento da frequência e da intensidade de chuvas. Um estudo desse gênero possibilitaria estimar os danos sociais, econômicos e ambientais e elaborar um plano de ação com o intuito de implementar medidas adaptativas.
As conclusões são do Relatório especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) sobre “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, lançado no dia 5 deste mês (Junho) durante um evento no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
A publicação tem apoio da FAPESP e parte dos estudos nos quais se baseia são resultado do Projeto Metrópole e de outros projetos apoiados pela Fundação no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, financiado pela Fundação e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A ideia do relatório foi mostrar o estado da arte sobre mudanças de clima e cidades costeiras, baseado em uma exaustiva revisão de publicações internacionais e nacionais sobre o tema, e também identificar lacunas no conhecimento para que os formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão no Brasil possam propor e implementar medidas de adaptação”, disse José Marengo, Coordenador-Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e um dos autores e editores do relatório.
De acordo com dados do documento, entre 1901 e 2010 o nível médio do mar globalmente aumentou 19 centímetros – com variação entre 17 e 21 centímetros. Entre 1993 e 2010, a taxa de elevação correspondeu a mais de 3,2 milímetros (mm) por ano – com variação entre 2,8 e 3,6 mm por ano.
No Brasil também há uma tendência de aumento do nível do mar nas regiões costeiras com algum grau de incerteza porque não há registros históricos contínuos e confiáveis, ponderam os autores.
“Ainda não conseguimos detectar o aumento do nível do mar no Brasil por conta das poucas observações existentes e de estudos de modelagem para avaliar os impactos. Mas já identificamos por meio de estudos regionais diversas cidades de médio e grande porte que apresentam alta exposição à elevação do nível relativo do mar e já têm sofrido os impactos desse fenômeno, particularmente na forma de ressacas e inundações”, disse Marengo.
Entre essas cidades, onde 60% da população residem na faixa de 60 km da costa, estão Rio Grande (RS), Laguna e Florianópolis (SC), Paranaguá (PR), Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Salvador (BA), Maceió (AL), Recife (PE), São Luís (MA), Fortaleza (CE) e Belém (PA).
Nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, têm sido registradas taxas de aumento do nível médio do mar de 1,8 a 4,2 mm por ano desde a década de 1950.
Na cidade de Santos, no litoral sul paulista, onde está situado o maior porto da América Latina, o nível do mar tem aumentado 1,2 mm por ano, em média, desde a década de 1940. Além disso, ocorreu um aumento significativo na altura das ondas – que alcançava 1 metro em 1957 e passou a atingir 1,3 m, em 2002 – e na frequência de ressacas no município.
Já no Rio de Janeiro, a análise dos dados da estação maregráfica da Ilha Fiscal – que tem a série histórica mais antiga do Brasil e fica no meio da Baía da Guanabara – indica uma tendência média de aumento do nível do mar de mais ou menos 1,3 mm por ano, com base nos dados mensais do nível do mar do período de 1963 a 2011 e com um índice de confiança de 95%.
Por sua vez, em Recife o nível do mar aumentou 5,6 mm entre 1946 e 1988 – o que corresponde a uma elevação de 24 cm em 42 anos. A erosão costeira e a ocupação do pós-praia provocaram uma redução da linha de praia em mais de 20 metros na Praia de Boa Viagem – a área da orla mais valorizada da cidade –, apontam os autores do relatório. “Existem poucas observações como essas em outras regiões do país. Quando tentamos levantar dados dos últimos 40 ou 100 anos sobre o aumento do nível do mar em outras cidades do Nordeste, como Fortaleza, por exemplo, é difícil encontrar”, disse Marengo.

Impactos socioeconômicos

De acordo com os autores do Relatório, as mudanças climáticas e um acelerado ritmo de elevação do nível do mar podem causar sérios impactos nas áreas costeiras do Brasil. Os impactos socioeconômicos seriam mais restritos às vizinhanças das 15 maiores cidades litorâneas, que ocupam uma extensão de 1,3 mil km da linha costeira – correspondente a 17% da linha costeira do Brasil. 
Entre as principais consequências da elevação do nível do mar, entre diversas outras, estão o aumento da erosão costeira, da frequência, intensidade e magnitude das inundações, da vulnerabilidade de pessoas e bens e a redução dos espaços habitáveis. “Os impactos mais evidentes da elevação do nível do mar são o aumento da frequência das inundações costeiras e a redução da linha de praia. Mas há outros não tão perceptíveis, como a intrusão marinha, em que a água salgada do mar começa a penetrar aquíferos e ecossistemas de água doce”, ressaltou Marengo.
As projeções do Quinto Relatório (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são que a elevação do nível do mar globalmente varie entre 0,26 e 0,98 metro até 2100 – em um cenário mais pessimista. O Relatório apresenta estimativas similares para a costa brasileira.
Considerando que a probabilidade de inundações aumenta com a elevação do nível do mar pode ser esperada uma maior probabilidade de inundações em áreas que apresentam mais de 40% de mudanças no nível do mar observadas nos últimos 60 anos – como é o caso de várias metrópoles costeiras brasileiras, ressaltam os autores.
As inundações costeiras serão mais preocupantes no litoral do Nordeste, Sul e Sudeste, e também podem afetar o litoral sul e sudoeste da cidade do Rio de Janeiro. Os seis municípios fluminenses mais vulneráveis à elevação do nível do mar, de acordo com estudos apresentados no relatório, são Parati, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé e Campos dos Goytacazes. “A combinação do aumento do nível do mar com tempestades e ventos mais fortes pode provocar danos bastante altos na infraestrutura dessas cidades”, estimou Marengo.

Exemplo de plano

O documento destaca o Plano Municipal de Adaptação à Mudança de Clima (PMAMC) da cidade de Santos como exemplo de plano de ação para adaptação às mudanças de clima e os seus impactos nas cidades. A elaboração do plano foi baseada nos resultados do Projeto Metrópole, coordenado por Marengo.
O estudo internacional estimou que a inundação de áreas costeiras das zonas sudeste e noroeste de Santos, causada pela combinação da elevação do nível do mar com ressacas, marés meteorológicas e astronômicas e eventos climáticos extremos, pode causar prejuízos acumulados de quase R$ 2 bilhões até 2100 se não forem implementadas medidas de adaptação.
O estudo é realizado por pesquisadores do CEMADEN, dos Institutos Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Geológico (IG) e das Universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com colegas da University of South Florida, dos Estados Unidos, do King’s College London, da Inglaterra, além de técnicos da Prefeitura Municipal de Santos. “Nossa intenção é aplicar essa metodologia utilizada em Santos em outras cidades litorâneas brasileiras para termos pelo menos uma estimativa inicial do custo de adaptação à elevação do nível do mar”, disse Marengo.




Especialista em Gestão Ambiental


25 anos da RIO-92 e do Fórum Global: relembrando bastidores

Edição 247
Liszt Vieira
Doutor em Sociologia, Coordenador do Fórum Global da RIO-92
 
Em Junho de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a RIO-92 - reuniu no Rio centro 180 Chefes de Estado, num espectro que ia do então Presidente George Bush (pai) a Fidel Castro, com a cobertura de 9 mil jornalistas. A destruição dos recursos naturais pela atividade econômica já fizera soar o alarme.
Ao mesmo tempo, no Parque do Flamengo, reuniu-se o Fórum Global com a participação de 1500 ONGs, mobilizando cerca de 2.000 pessoas provenientes de 101 países. A coordenação geral ficou a cargo do Fórum Internacional de ONGs, criado em agosto de 1991 em Genebra durante o 3º Encontro Preparatório (Prep Com) da RIO-92. Éramos três coordenadores: um canadense, Peter Padbury, um filipino, Maximo Kalaw Jr., e o brasileiro que subscreve essas linhas, indicado pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS). 
O Fórum Brasileiro reuniu, durante dois anos de debates, entidades ambientais, sociais, comunitárias, religiosas, de defesa dos direitos individuais e coletivos, defesa da melhoria da qualidade de vida, Universidades, Sindicatos etc. Foi uma extraordinária experiência democrática de busca de consenso com respeito às diferenças. 
O foco principal era a crítica à então dominante teoria do crescimento econômico que ignorava o impacto social (desigualdade e pobreza) e o ambiental (destruição dos recursos naturais não renováveis) que ameaçavam o Planeta e principalmente a sobrevivência da humanidade. Por detrás, estava a visão tripartite de três atores principais, Estado, Mercado e Sociedade Civil, e não apenas o Estado e o Mercado, como sempre foi amplamente divulgado.
Para compreender a Conferência RIO-92, é necessário levar em conta o contexto histórico que a antecedeu. Quando foi oficialmente convocada em 1988, ainda no clima de Guerra Fria, os EUA tinham interesse em mostrar ao mundo que os países socialistas eram mais poluidores do que os capitalistas. Um ano depois, em 1989, caiu o Muro de Berlim e em 1991 desmoronou a União Soviética. Os EUA perderam o interesse, mas não podiam mais impedir a realização da Conferência já aprovada pela ONU. Passaram então a colocar dificuldades, principalmente nas negociações da Convenção do Clima, que foi esvaziada para que os EUA pudessem assinar. 
Do lado brasileiro, por coincidência ou não, também surgiram resistências. O que era considerado uma vitória diplomática do Itamaraty - trazer a Conferência para o Brasil - passou a ser visto por setores do Governo Collor como indesejável, pela provável crítica de países estrangeiros ao desmatamento da Amazônia. 
As contradições no Governo levaram a um considerável atraso nas obras da Conferência oficial no Riocentro. Três meses antes, o atraso era tanto que um jornal dos EUA perguntava se a obra iria ficar pronta a tempo. Um dirigente de uma ONG estadunidense me disse que não estava preocupado: se não ficasse pronta, a Conferência iria para a sede da ONU em Nova York. Disse isso a um jornalista e no dia seguinte foi publicado que eu estava propondo a transferência da Conferência para Nova York. Percebi então que havia um jogo pesado nos bastidores e me usaram para defender uma posição que existia no Governo. Esse conflito de posições no Governo foi confirmado: pouco depois, o Coordenador Logístico da Conferência foi afastado e um outro diplomata foi nomeado, quando, então, as obras começaram a andar. Prevaleceu o bom senso.
A Conferência RIO-92 pode ser considerada um êxito ou um fracasso dependendo das expectativas. Na realidade, ficou aquém do esperado, mas foi um marco importante para a luta mundial pela sustentabilidade. Os seguintes Acordos foram aprovados na RIO-92: 
1) Três Convenções foram assinadas: a do Clima ( esvaziada para contar com a assinatura dos EUA), a da Biodiversidade (que os EUA não assinaram) e a da Desertificação;
2) Declaração de Princípios sobre Florestas (não houve acordo para uma Convenção);
3) Declaração do Rio (Declaração de Princípios);
4) Agenda 21 (Plano de Ação),
5) Carta da Terra (declaração de valores e princípios éticos). 
No Fórum Global, os militantes e ativistas se reuniram em tendas previamente instaladas no Parque do Flamengo para discutir uma intensa agenda de sustentabilidade ambiental, social, econômica, política e ética. Ao mesmo tempo, ocorriam diversos shows, manifestações e espetáculos teatrais, circenses, musicais etc. que atraiam multidões que passavam e não sabiam bem o que estava sendo discutido nas tendas.
Foram aprovados no Fórum Global 36 Planos de Ação chamados "Tratados" da sociedade civil, divididos em quatro grupos: de cooperação, econômicos, meio ambiente e movimentos sociais. Esses "Tratados" analisavam e faziam propostas sobre sustentabilidade em diversas áreas como, por ex, agricultura, indústria, planejamento urbano, política econômica, social, cultural, transporte público, educação, saúde, meio ambiente etc.
Cabe aqui também uma informação de bastidores. Durante a 4ª PrepCom em Nova York, em Março de 1992, o FBOMS participou de uma reunião entre o Embaixador Ronaldo Sardenberg, da Missão Brasileira na ONU, e o então Ministro do Meio Ambiente, na época chamado Secretário Nacional, o ambientalista José Lutzemberg. Nessa reunião, filmada pelo dirigente do FBOMS Nilo Diniz, o Ministro Lutzemberg denunciou corrupção no IBAMA na área de controle de agrotóxicos e exploração e transporte de produtos florestais.
Pouco depois, o Ministro Lutzemberg teve em Washington uma reunião com o Presidente do Banco Mundial. Essa reunião não foi documentada, mas transpirou que Lutzemberg fez forte crítica ao Banco Mundial pelo financiamento de hidroelétricas de grande impacto socioambiental. Segundo vazou na época, o Presidente do Banco Mundial perguntou: 
- Ministro, então o que o Sr. acha que o Banco devia fazer? E Lutzemberg respondeu: Fechar as portas!
Seja pela crítica à corrupção no IBAMA, ou pela crítica ao Banco Mundial - ou por ambas - o fato é que, poucos dias depois, o Ministro Lutzemberg foi demitido.
A Conferência RIO-92 foi seguida de diversas outras conferências, como a de População no Cairo, a de Mulheres em Beijing, a de Direitos Humanos em Viena. As ONGs tiveram participação ativa em todas elas, influenciando as decisões tomadas pelas delegações oficiais. E até hoje acompanham, em Nova York, as reuniões da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, órgão criado na Rio-92 e previsto inicialmente para ser instalado no Rio de Janeiro. Essa proposta foi recusada pelo Governo Brasileiro, sempre com medo da crítica internacional à devastação ambiental na Amazônia. Com isso, o Rio de Janeiro deixa de receber anualmente centenas de delegados de mais de cem países.
Pode-se dizer que a RIO-92 foi o ponto de partida da série de reuniões internacionais que todo ano discutem as grandes questões de mudanças climáticas e biodiversidade, principalmente. São as chamadas Conferências das Partes (COP). E o Fórum Global de 1992 pode ser considerado a matriz das reuniões posteriores e encontros da sociedade civil sobre sustentabilidade que, sem o caráter espetacular que teve durante a RIO-92, assumiram uma postura mais técnica em busca de eficiência.
A Carta da Terra, aprovada em Junho de 1992 pelo Fórum Internacional de ONGs, no âmbito do Fórum Global, afirmava que "em toda nossa diversidade, somos um". O antropólogo Levy Strauss disse certa vez que, quanto mais diversidade, mais humanidade. As organizações da sociedade civil reunidas no Fórum Global articularam a visão antropológica da diversidade humana com a visão ecológica da unidade do Planeta. Como o Planeta, ao longo de seus 4,5 bilhões de anos, demonstrou grande capacidade de regeneração, o que está sob ameaça é a sobrevivência da humanidade com a destruição dos recursos naturais. O que temos pela frente é uma verdadeira crise de civilização que pode afetar profundamente e até mesmo ameaçar a continuidade do homo sapiens demens no Planeta Terra. Este é o grande tema do Século 21 para o qual a RIO-92 e o Fórum Global deram o sinal de alerta.






Especialista em Gestão Ambiental


quinta-feira, 6 de julho de 2017

A saída de Trump do Acordo de Paris vai colocar o mundo em chamas?

ECO 21 Edição 247
Por: Naomi Klein
Escritora e ativista ambiental, colaboradora no The Intercept

 
Agora que Donald Trump anunciou que vai tirar os Estados Unidos do Acordo climático de Paris, e os ativistas ambientais corretamente se mobilizam diante dessa guinada distópica, é hora de falar sem meias-palavras: praticamente todos os pontos fracos, decepcionantes e inadequados no Acordo de Paris são resultado do lobby estadunidense desde 2009.
O fato de o Acordo comprometer os governos a manter o aquecimento da temperatura da Terra abaixo de 2°C, em vez de um alvo muito mais firme e seguro de 1,5°C, foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.
O fato de o Acordo deixar a cargo de cada nação o quanto cada país irá se esforçar para que essa meta seja cumprida, permitindo que eles chegassem a Paris com compromissos que nos colocaram num rumo desastroso cujo efeito será mais de 3 graus de aquecimento, foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.
O fato de o Acordo tratar mesmo essas metas insuficientes como não vinculantes, o que significa que os governos, aparentemente, não têm nada a temer mesmo se ignorarem seus compromissos, é outra coisa que foi conquistada pelo lobby dos Estados Unidos.
O fato de o Acordo expressamente proibir os países pobres de buscar reparação financeira para os danos causados por catástrofes climáticas foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.
O fato de o documento firmado em Paris ser um “Acordo” e não um Tratado – até o fato de que Trump possa encenar sua saída do Acordo em slow motion enquanto o mundo pega fogo atrás dele – foi algo conquistado pelo lobby dos Estados Unidos.
Eu poderia falar sobre isso por horas e horas. Por muito tempo, os EUA tiveram ajuda de “ilustres” petro-estados como a Arábia Saudita nessa sabotagem por trás dos panos. Ao pressionar agressivamente para enfraquecer o Acordo de Paris, os negociadores norte-americanos normalmente argumentam que um Acordo mais consistente seria recusado pela Câmara e pelo Senado dos EUA – controlados pelos Republicanos. Isso provavelmente é verdade. Mas algumas dessas medidas que enfraquecem o Acordo – especialmente as que tentam reduzir a desigualdade entre países ricos e pobres – foram conquistadas apenas por hábito, porque cuidar dos interesses das empresas norte-americanas é o que os Estados Unidos fazem nas negociações internacionais.
Quaisquer que sejam os motivos, o resultado final foi um Acordo que tem um objetivo de temperatura decente, mas cujo plano para alcançá-lo é frágil e tremendamente fraco para isso. James Hansen, indiscutivelmente o cientista climático mais respeitado do mundo, chamou o Acordo de “falso, uma fraude, na verdade”, porque “não há ação, apenas promessas”.
No entanto, fraco não é o mesmo que inútil. O poder do Acordo de Paris foi sempre o que os movimentos sociais decidiram fazer com ele. Tendo um compromisso claro de manter o aquecimento abaixo de 2 graus celsius, ao mesmo tempo que busca “esforços para limitar o aumento de temperatura para 1,5°C”, significa que não há espaço no orçamento global de carbono para descobrir novas reservas de combustível fóssil.
Esse simples fato, mesmo sem obrigação jurídica por trás disso, tem sido uma potente ferramenta nas mãos de movimentos contra novos oleodutos, campos de fracking e minas de carvão, bem como nas mãos de jovens corajosos – que levam o Governo dos EUA à Justiça por não terem protegido o seu direito a um futuro seguro. E, em muitos países, incluindo os EUA até recentemente, o fato de os governos falarem dessa meta só da boca para fora os deixou vulneráveis a esse tipo de pressão popular. Como disse o jornalista e cofundador do 350.ORG, Bill McKibben, no dia em que o Acordo de Paris foi revelado, “os líderes mundiais estabeleceram um objetivo de 1,5°C – nós vamos pressioná-los loucamente para que eles cumpram isso”.
Em muitos países, essa estratégia continua a funcionar, independentemente de Trump. Algumas semanas atrás, por exemplo, uma delegação de nações de ilhas do Pacífico viajou para as areias betuminosas de Alberta (Canadá) para exigir que o Primeiro Ministro Justin Trudeau pare de expandir a produção dessa fonte de combustível de uso intensivo de carbono, argumentando que sua falha em evitar essa exploração viola seu belo discurso e as promessas feitas por ele em Paris.
Essa foi a rotina do movimento global de justiça climática quando se tratava de Paris: tentar manter os governos além da letra fraca do Acordo. O problema é que assim que Trump se mudou para a Casa Branca, ficou perfeitamente claro que Washington não era suscetível a esse tipo de pressão. Isso faz parecer meio ridículo quem ficou histérico quando soube que Trump estava batendo em retirada do Acordo. Porém, assim que o Acordo foi publicado, nós sabíamos que esse retrocesso estava nos planos de Trump. Sabíamos no momento em que ele nomeou Rex Tillerson para o Departamento de Estado e Scott Pruitt para a EPA (a Agência Ambiental dos EUA). Nós confirmamos quando ele assinou a papelada para iniciar as obras dos oleodutos Keystone XL e Dakota Access Pipeline na primeira semana do mandato.
Por meses, ouvimos falar do cabo de guerra entre quem queria que os EUA permanecessem no Acordo (Ivanka Trump e Rex Tillerson) e aqueles que queriam que os EUA pulassem fora (Pruitt, Steve Bannon, estrategista-chefe da Casa Branca, e o próprio Trump). Mas o próprio fato de que Tillerson (fortemente ligado às petroleiras) pudesse ser o fiel da balança nessa disputa mostra o absurdo da situação.
Foram empresas petrolíferas, como a que Tillerson trabalhou por 41 anos, cujo incansável lobby ajudou a garantir que os compromissos assumidos em Paris não tivessem mecanismos vinculantes. Por isso, um mês após o Acordo ter sido negociado, a Exxon Mobil, com Tillerson ainda no comando, publicou um relatório afirmando que “esperamos que petróleo, gás natural e carvão continuem a atender cerca de 80% da demanda global até 2040”. Era uma mera expressão de arrogância costumeira das empresas. A Exxon sabe muito bem que, se quisermos uma chance decente de manter o aquecimento abaixo de 1,5 a 2 graus, o objetivo declarado do Acordo de Paris, a economia global precisa abolir os combustíveis fósseis até meados do século. Mas a Exxon ofereceu essas garantias aos seus investidores – e alegou que apoiava o acordo – porque sabia que o Acordo de Paris não tinha força vinculativa.
É a mesma razão pela qual a facção de Tillerson da gestão Trump achou que poderia conciliar a permanência no Acordo de Paris ao mesmo tempo em que desmantelava a peça central do compromisso dos Estados Unidos no Acordo, o Clean Power Plan. Tillerson, melhor que quase qualquer um no mundo, sabe o quão legalmente fraco é o acordo. Como CEO da Exxon, ele ajudou a garantir isso.
Então, enquanto tentamos entender tudo isso, não sejamos bobos: a gestão Trump nunca esteve dividida entre aqueles que queriam destruir o Acordo de Paris e aqueles queriam respeitá-lo. Estava dividida entre aqueles que queriam destruí-lo e aqueles que queriam ficar nele, ignorando-o completamente. A diferença é somente de óptica: a mesma quantidade de carbono é vomitada de todo modo.
Alguns dizem que não é esse o ponto – que o risco real na retirada dos EUA é que isso vai encorajar todos os outros países a diminuir sua ambição e logo todos irão romper com o Acordo de Paris. Talvez, mas não necessariamente. Assim como o desastre de Trump na saúde pública está encorajando outros países a levar em conta um sistema público de saúde pela primeira vez em décadas, o incêndio climático de Trump só alimentou mais a ambição climática em Estados como a Califórnia e Nova York. Em vez de jogar a toalha, coalizões como a New York Renews, que está pressionando o Estado de NY a usar 100% de energia renovável até 2050, estão ficando mais fortes a cada dia.
Fora dos EUA, os sinais também não são tão ruins. A transição para as energias renováveis já acontece de modo acelerado na Alemanha e na China; os preços estão caindo tão fortemente, que forças muito maiores que Trump estão impulsionando essa mudança. Claro, ainda é possível que a retirada de Trump provoque um retrocesso climático global. Mas também é possível que ocorra o contrário: que outros países, sob a pressão de populações furiosas com as ações de Trump, se tornem mais ambiciosas se os Estados Unidos se tornarem realmente nocivos. Eles podem até mesmo decidir endurecer o Acordo sem os negociadores dos EUA para atrapalhá-los.
Há outro ponto, cada vez mais ouvido nos movimentos sociais mundo afora: sanções econômicas contra os EUA diante do vandalismo climático de Trump. Vejam que coisa louca, mesmo que isso não esteja escrito no Acordo de Paris, se você decide tocar fogo no mundo, você deveria pagar um preço por isso. E isso deve ser verdade se você for o Governo dos Estados Unidos ou a Exxon ou alguma fusão bizarra dos dois.
Um ano atrás, a sugestão de que os EUA enfrentassem uma punição tangível por colocar em risco o restante da humanidade seria alvo de risada nas rodinhas do establishment: ninguém colocaria suas relações comerciais em perigo por uma coisa tão pequena quanto o Planeta Terra. Mas recentemente, em sua coluna no Financial Times, Martin Wolf escreveu: “Se os EUA se retirarem do Acordo de Paris, o resto do mundo deve considerar sanções contra eles”.
Estamos a um longo caminho de que os parceiros comerciais dos EUA adotem uma medida drástica dessas, mas não apenas os governos podem impor punições econômicas para esse tipo de comportamento imoral. Os movimentos sociais podem pedir boicotes e desinvestimentos para as empresas – assim como foi feito contra o regime de apartheid sul-africano. Não apenas contra empresas de petróleo, mas também contra o conglomerado de Trump. Pressão moral não funciona contra Trump, mas a pressão econômica talvez funcione.
Ou talvez seja hora de sanções econômicas vindas dos consumidores.



Rodrigo Pizeta
Especialista em Gestão Ambiental

ECO21 – O dragão da maldade quer queimar o mundo


Num indignado testemunho logo depois que Donald Trump abandonara o Acordo de Paris, o ex-vice-Presidente Al Gore escreveu: “Remover os Estados Unidos do Acordo de Paris é uma ação imprudente e indefensável. Isso prejudica a posição dos EUA no mundo e ameaça danificar a capacidade da humanidade de resolver a crise climática no tempo”.
A fúria ensandecida de Trump contra todas as iniciativas ambientais e de saúde do Governo Obama não foi uma surpresa. Ele já tinha prometido acabar com a “invenção chinesa” do aquecimento global. Nesse sentido, nunca foi mais explícita a profecia de Glauber Recha ao criar o personagem Antônio das Mortes, o dragão da maldade, o matador de cangaceiros, uma figura detentora de seu próprio misticismo, que acreditava ser necessário livrar o mundo dos males e que somente ele poderia ser esse justiceiro predestinado capaz de negar todas suas faltas.
Trump é esse dragão da maldade que pode levar o mundo para uma hecatombe nuclear. A retirada de Trump do Acordo de Paris não foi incoerente. Ele simplesmente deu ênfase a uma política tradicional que levou os EUA a subverter as iniciativas multilaterais que conduziam a enfrentar os problemas globais, entre eles o aquecimento.
É bom lembrar que os EUA não são parte do Protocolo de Kyoto que dispõe de compromissos vinculantes para a redução da emissão dos gases de Efeito Estufa; nem de muitos outros instrumentos mundiais como a Convenção sobre Biodiversidade; o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que protege a biodiversidade e a saúde humana de potenciais riscos causados pela transferência, manipulação e uso de organismos geneticamente modificados; o Protocolo de Nagoya, que regulamenta o acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos de sua utilização; nem da Convenção de Basileia, sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, etc. O governo estadunidense sempre alegou que esses instrumentos jurídicos prejudicam seus interesses econômicos.
Robert Hutchison, ativista ambiental, ao fazer uma relação entre Trump e o Brexit, disse: “o surgimento do nacionalismo econômico e do populismo anticientífico criou um contexto inquietante no qual as mudanças climáticas devem ser pensadas e enfrentadas. Enquanto para a maioria das pessoas que estudam o assunto, a ciência das mudanças climáticas é complexa, mas clara o suficiente para não nos paralisar, e a economia da transformação de energia sem os combustíveis fósseis é convincente, a política permanece enganosa e difícil: temos a tecnologia dos deuses e a política das pessoas narcisistas”.
Ao mesmo tempo, as forças progressistas avançam por caminhos inesperados. O presidente francês Emmanuel Macron participou de uma iniciativa que vai além do Acordo de Paris, o projeto de um pacto mundial pelo meio ambiente que num futuro próximo seria um Tratado internacional adotado pela Assembleia-Geral da ONU. A ideia é reunir num único texto todos os grandes princípios internacionais do direito ambiental e lhe conferir um caráter obrigatório, passível de ser controlado pela justiça internacional. Este acordo completaria o arcabouço jurídico constituído por tratados, acordos e convenções adotados pela ONU, além de um sobre os diretos civis e políticos e, outro sobre os diretos econômicos, sociais e culturais. A iniciativa quer acabar com o uso das fontes fósseis e nucleares de energia, além de controlar radicalmente os agrotóxicos e os OGMs.
Depois que Trump anunciou que os EUA abandonariam o Acordo de Paris, vários Estados, cidades e empresas reiteraram seus compromissos para reduzir as emissões. Nesse caminho, uma iniciativa de Michael Bloomberg apresentada na COP-21, criou uma Força-tarefa para incentivar empresas a quantificarem os riscos climáticos do ponto de vista financeiro. O relatório final será apresentado aos líderes do G20 no encontro de cúpula marcado para Julho em Hamburgo.
A iniciativa já recebeu o apoio de empresas que, juntas, somam um capital de US$ 3,5 trilhões, e de instituições financeiras responsáveis por ativos de cerca de US$ 25 trilhões. Essas mais de 100 corporações se comprometeram publicamente a apoiar as recomendações da Força-tarefa, um ato que comprova a importância da divulgação dos riscos e oportunidades relacionados ao clima.
Fica então evidente que o dragão da maldade terá, como no filme de Glauber, um professor que é um santo guerreiro opositor vindo da ciência, que anulará a visão de um mundo dominado pela política da destruição.
Trump não conseguirá queimar o mundo.
Por: Lúcia Chayb e René Capriles
Rodrigo Pizeta
Especialista em Gestão Ambiental